『DIY』 A Amazona e o Vagabundo

How you doin

Aquela era uma das muitas manhãs em que eu preferia ficar sem fazer nada. Na verdade eu quase sempre era obrigado a fazer alguma coisa, então o fazia com o menor comprometimento possível. Naquela manhã aquilo provavelmente não seria possível. Tive a sorte de ter uma boa noite de sono e acordei pelas cinco horas da manhã, mas não da forma com que esperava. Havia um espírito flutuando acima da minha cama! Aquilo normalmente assustaria alguém que estivesse desesperado, mas eu já estava acostumado com os lares do acampamento. Só me surpreendi com o ar sério que esse tinha. A maior parte deles costumava ser bem mais tranquila, mas aquele tava trajado a rigor, com um ar extremamente sério.

Me espreguicei preguiçosamente, olhando para o ser antes de me levantar. O clima estava frio. Respirei fundo. — Erhm… Pois não? — Dei um sorriso de canto, amigável, só esperando sua resposta. O homem (ou eu devia dizer fantasma) revirou os olhos, provavelmente com a minha falta de formalidade.

— O Senado pede que Kyros Achilles Zampiere e Alexandra Skye Black se apresentem. — Assoviei ao ouvir aquilo e ele me deu uma cara de poucos amigos. Chamaram dois semideuses de uma só vez — Sugiro que se arrume. — Dei um bocejo bem na hora que ele disse aquilo, e então o fantasma se retirou.

Bufei, esfregando os olhos e me ajeitando na cama. “Que bela forma de começar o dia!” pensei em um tom irônico enquanto me levantava, indo até a cômoda onde minhas roupas ficavam jogadas e pegando as melhores que eu podia achar. Evitei pegar minhas roupas favoritas, pois era certo que essas fossem acabar se rasgando, como era comum acontecer comigo quando eu treinava.

— Na verdade seria bom conseguir umas roupas… — Pensei com uma expressão problemática enquanto me enfiava em uma das jaquetas. Aquilo não devia me proteger completamente do frio, mas ia bastar para me manter aquecido mais tarde. Ao terminar de me vestir simplesmente passei a vagar na direção do Senado com o olhar de alguém perdido.

“Alexandra Skye Black. Quem será que é essa? Espero que não seja uma daquelas pessoas loucas. Será que eu ofendi ela de alguma forma? Não, eu acho que teria me lembrado...” Vários tipos de pessoas me desagradavam, mas as pessoas insanas eram as piores. Todo semideus tinha uma história estranha, mas alguns eram profundamente mudados por elas! “Vou ter que pagar pra ver, hm?”

Cheguei na escadaria do Senado e fiquei de pé, olhando em volta. A tal da Alexandra não estava em lugar algum! Tentei ficar num lugar bem visível para que ela pudesse me ver assim que chegasse. Não tinha ninguém ali naquela hora da manhã. Duvidei até mesmo que algum membro do senado tivesse chegado.

— Será que eu devia entrar sem ela? Saco… — Era aquele tipo de coisa que me fazia preferir lidar com aquelas situações sozinho.

How you doin

Nos tempos antigos fazer alguém esperar era uma demonstração de poder. Isso pode ser levado até os dias de hoje em certas situações, é claro, mas eu não esperava que aquele artifício estivesse sendo usado ali. No mínimo eles deviam estar preparando alguns detalhes antes de no chamar, ou então estavam esperando a garota, que até então não havia chegado. Fosse o que fosse, minha paciência estava quase se esgotando. "Eu tenho muito trabalho pra procrastinar hoje, não tenho tempo pra isso." Pensei com um ligeiro sorriso de deboche enquanto olhava para as portas fechadas.

Só mais uma pessoa se aproximou do Senado, então deduzi que fosse ser a tal da Alexis. Ela devia ter minha idade, os cabelos eram ruivos e a última coisa que se pensaria dela é que era uma pessoa amistosa, embora tivesse um rosto bonito. "Bom, pelo menos ela não parece ser uma das loucas.". Aquilo já era o suficiente pra eu relaxar ainda mais a postura. ela tinha uma cara muito séria, então deduzi que definitivamente não íamos nos dar muito bem, mas não era a primeira vez que eu tinha errado meu julgamento. Decidi tratá-la normalmente, pelo menos por hora.

Não a conhecia, mas sabia que ela tinha uma cara séria demais pra estar entre nós, os bobões da quinta coorte. Dei um sorriso, acenando ligeiramente pra ela com a mão, tentando parecer amigável.

— Você deve ser a outra legionária que eles chamaram. — Presumi, ainda mantendo um sorriso. — Meu nome é Kyros. — Ela não parecia ser do tipo que ia começar uma conversa por conta própria. Por sorte eu era exatamente esse tipo de pessoa.

As portas do Senado mantiveram-se fechada, então deduzi que tínhamos pelo menos algum tempo pra se apresentar.

How you doin

— Nome legal. — Disse, voltando a prestar atenção em qualquer coisa que passou voando e chamou minha atenção. Quando eu era rabugento, costumava a fazer a mesma expressão aborrecida que a semideusa da primeira Coorte estava me lançando quando alguém vinha puxar papo comigo, costumando ser bem mais calado e carrancudo. Senti um incômodo ligeiro enquanto tentava afastar certas lembranças enuviadas — Oh, acho que eles começaram. — Mudei o meu foco para os senadores se aproximando. Minha expressão ficou mais séria e eu ajeitei a postura. Eles deviam ter algo muito grave a nos dizer se queriam a nossa presença naquela hora da manhã.

— Obrigado por se apresentarem aqui hoje. — Uma mulher com uns 30 anos disse num tom bem cordial. Todos os senadores eram soldados veteranos que não faziam nada além de passar o dia com a bunda na cadeira passando legislações pra cidade que provavelmente se viraria muito bem sem eles. Era uma tradição antiga, antiquada e eu mal podia esperar pra fazer parte daquele bando de desocupados. — Peço perdão por tê-los chamado tão cedo, mas o assunto era urgente. — Ela foi bem cordial, o que me fez relxar. Acenei para os lados com a mão num gesto despreocupado e ela me olhou torto.

Bem, eu estava sendo bem casual com os líderes do acampamento, não é? Cordiais ou não, eu não devia me esquecer de que eram uns velhos chatos. Voltei a assumir a postura mais séria. "Todos eles são tão chatos..." Pensei, rancoroso, e inevitavelmente comecei a divagar sobre a falta do café da manhã.

— Ontem a noite, durante a vigia os guardas ouviram uma comoção enorme vindo da floresta. Gritos, o relinchar de cavalos, acharam até mesmo ter visto monstros correndo pela mata. Não pode ser uma ocorrência normal, e por isso decidimos enviar vocês para investigar. — Aquilo captou minha atenção de novo.

— Ah? — Voltei a focar no Senador que estava falando, perdendo alguns detalhes mas provavelmente captando a ideia geral. — Sons vindos da floresta são tão incomuns assim?

— Dessa magnitude, sim. — Outro homem, na casa dos 40, me respondeu. Minha expressão se fechou completamente. Coloquei a mão no queixo. Minha cabeça doeu ligeiramente pela segunda vez naquele dia, e então dei um suspiro.

— Se encontrarem qualquer coisa, deem prioridade a voltar para o Acampamento para relatar o acontecido. Não tentem bancar os heróis. Precisamos de informações. — A primeira senadora olhou para Alex quando disse isso e eu fechei os olhos. — Fui clara?  — "Então ela é uma das malucas?!"

— Sim senhora. — Murmurei, com a dor passando ligeiramente. Enfim abri os olhos, vendo a Senadora se afastar. Fiquei calado por alguns segundos — Que coisa, né? — Qualquer outra pessoa teria desistido de puxar assunto com ela, mas eu era bem persistente quando queria. — A gente pega nossas coisas e se encontra aqui? — Perguntei, pacientemente esperando.

How you doin

Haviam momentos em que até mesmo eu sabia quando deveria falar ou não, e aquele era um daqueles. Se ela queria andar quieta, simplesmente atenderia ao desejo dela. Mantive As duas mãos no bolso da jaqueta enquanto mantive uma certa distância da garota, ainda que estivesse voltando pros alojamentos praticamente do lado dela. Minha mente voltou para a tarefa. Era só uma missão de reconhecimento, e havíamos sido explicitamente ordenados a não agir como heróis, mas por algum motivo eu duvidava que ela fosse acatar tal desejo de bom grado.

Eu só tinha uma arma que podia levar, Blackstar. Fui até onde meus pertences ficavam no alojamento da quinta coorte e peguei a lâmina, equipando a bainha em minha cintura e levando a espada de ferro estígio ali. Sem ter muito mais o que pegar ou muito no que enrolar, saí do alojamento quase tão rápido quanto entrei, atravessando a área dos alojamentos e atravessando os campos até a entrada da floresta, onde havíamos marcado de nos encontrarmos.

Bem, haviam várias entradas, e Alexis falhara em me dizer exatamente o lugar, por isso simplesmente decidi ficar ali. — Que silêncio. — Não haviam pássaros cantando ou qualquer movimentação, quase como se tudo estivesse com medo demais. Lembrei de meu tempo andando com Lupa, a treinadora de heróis. A floresta nunca ficava quieta, a não ser que houvesse algo aterrorizante demais. Mantive meus olhos focados na parte interior da mata, completamente perdido em pensamentos.

How you doin

— Percebi. — Mantive um tom de voz sério enquanto encarava o desconhecido. Ajeitei minha postura, empertigando-me enquanto dou um suspiro, já estando familiarizado com situações daquele calibre. O ar estava intenso demais e até mesmo eu podia perceber.

Olhei para a ruiva, ligeiramente surpreso com sua arma de escolha. Se fosse pra mim adivinhar, eu suporia que ela só colocava luvas de boxes e metia o cacete nos monstros só com os punhos. A culpa era dela por parecer tão ameaçadora e durona. E de certa forma minha também, por ter uma imaginação tão fértil. Me encostei numa árvore, pensativo. — Você consegue correr bem rápido? Pode ser paranoia minha, mas acho que vamos acabar precisando fazer exatamente isso. — Depois de fazer a pergunta me senti meio idiota. Ela não tinha cara de quem fugia da raia, pro meu azar.

O fato dela estar usando uma arma a distância podia nos ajudar se enfrentássemos algum inimigo, mas eu teria problemas se tivesse que enfrentar dois oponentes sozinho na linha de frente. Ao menos se fossem dois oponentes mais fortes do que eu fisicamente.

Comecei a entrar na floresta na frente, assumindo a vanguarda. Lembrava-me perfeitamente de meus tempos com Lupa, e já estava bem acostumado a me movimentar por florestas antes de chegar no acampamento Júpiter. Tudo o que eu queria no momento era sair dali.